O erro da leitura judaizante de Atos 15

“Alguns homens foram da região da judeia para a cidade de Antioquia e começaram a ensinar aos irmãos que eles não poderiam ser salvos se não fossem circuncidados, com manda a lei de Moisés.” Atos 15:1

Ser circuncidado significa comprometer-se a observar toda a lei, pelo menos essa é a visão de Paulo em Gálatas 5:3 - “Repito isto mais uma vez para qualquer homem que deixar que o circuncidem: esse homem é obrigado a obedecer a toda a lei.”

É triste ver que ainda não estamos livres desses cristãos judaizantes, que creem na observação da lei como meio para sermos aceitos por Deus ainda na Nova Aliança. Eles invadem as igrejas, penduram bandeiras de Israel nos altares e ainda arregimentam prosélitos nos nossos seminários - o que é uma verdadeira covardia! O seminarista está desarmado no momento em que ele passa por uma revisão de sua teologia. Tudo o que ele acredita entender da Bíblia será questionado nesses anos de seminário, e o questionamento de tudo quanto crê favorece o amadurecimento de uma teologia produtiva quando deixa o seminário e passa a atuar na igreja. Tudo o que o seminarista não precisa nesse momento de reconstrução de sua teologia é de exposição desnecessária à teologia liberal barata e interpretações judaizantes dos textos bíblicos do Novo Testamento.

Só para exemplificar, apresento um dos absurdos que a gente acaba ouvindo por aí.

Na tentativa de mostrar que a lei deveria ser observada ainda dentro do contexto neotestamentário, um judaizante apresenta o texto de Atos 15:1-21 como prova inquestionável que os apóstolos esperavam que os cristão não judeus fossem instruídos na lei. Segundo ele, houve uma discussão se os não judeus deveriam ser circuncidados ou não, e Tiago sugere que a circuncisão não seria necessária, a circuncisão do coração seria suficiente; mas observar a lei era indispensável. Contudo, os cristãos judeus não deveriam se preocupar com a instrução da lei entre os cristãos não judeus uma vez que a lei era lida nas sinagogas todos os sábados e eles acabariam aprendendo a observar toda a lei com o passar do tempo. Por isso Tiago apenas recomenda, na carta que seria enviada aos não judeus, aquilo que seria mais grave e, portanto, mais importante observar da lei naquele momento.

“Penso que devemos escrever a eles uma carta, dizendo que não comam a carne de animais que foram oferecidos em sacrifício aos ídolos, que não pratiquem imoralidade sexual, que não comam a carne de nenhum animal que tenha sido estrangulado e que não comam sangue.”
Atos 15:20

Essas recomendações da lei são encontradas em Êx 34:15-17, Lv 17:10-16 e 18:6-23. A lei não se resume a isto; mas, segundo a leitura dos judaizantes do século 21, o restante da lei seria administrada com o tempo uma vez que a lei era ensinada nas sinagogas todos os sábados em todas as cidades - “Pois, desde os tempos antigos, a Lei de Moisés tem sido lida todos os sábados nas sinagogas, e as suas palavras são anunciadas em todas as cidades.” Atos 15:21

O argumento judaizante parecerá coerente até que você perceba que seria impossível para um cristão não judeu aprender o restante da lei frequentando as sinagogas. O cristianismo nasceu excluído do círculo judaico. Os cristão não tinham templo, e o Templo em Jerusalém não era frequentado pelos cristãos. As reuniões da Igreja eram realizadas nas casas dos membros da Igreja, essa evidência está espalhada por todas as cartas do Novo Testamento. João deixa claro que aqueles que seguiam a Cristo declaradamente eram expulsos das sinagogas - “Os pais disseram isso porque estavam com medo, pois os líderes judeus tinham combinado expulsar da sinagoga quem afirmasse que Jesus era o Messias” João 9:22 e também João 12:42 lemos: “No entanto, muitos líderes judeus creram em Jesus, mas não falavam publicamente a favor dele para que os fariseus não os expulsassem da sinagoga”

Como Tiago poderia esperar que os cristãos não judeus aprendessem alguma coisa da lei, que era lida nas sinagogas todos os sábados, se os cristão não judeus não frequentavam as sinagogas? Isso simplesmente não faz sentido. É uma leitura judaizante do texto que simplesmente torce tudo para dar aparente amparo a uma leitura ideológica do texto. Esse cristão judaizante projeta na leitura do texto sua alienação. É a exejegue mais eisegética que já vi!

Para começo de conversa, Pedro diz que Deus aceitou os não judeus sem observar a lei, e por que os  apóstolos deveriam colocar uma carga nas costas dos não judeus uma vez que nem mesmo eles suportavam o peso da lei. Se os judeus não conseguiam cumprir a lei, como eles poderiam esperar que os não judeus conseguiriam cumprir a lei? Por que exigir do não judeu aquilo que não pode ser exigido dos judeus para a salvação? (At 15:811) Essa foi a pergunta de Pedro, e Tiago dá a resposta final do concílio: acho que não devemos atrapalhar os não judeus que estão se convertendo a Deus (At 15:19).

Tiago menciona quatro proibições previstas na lei sem a intenção de sugerir que os cristão não judeus deveriam observar a lei; mas para que os judeus não se ofendessem, e o conflito entre judeus e não judeus se agravasse. O objetivo era preservar a união do corpo de Cristo, a Igreja. A sugestão de Tiago é que os cristãos não judeus não abusassem da liberdade que tinham para comer da carne oferecida a ídolos, por exemplo, e não ofendessem os cristãos judeus que aprendiam que isso era errado por ouvir a lei proibindo essa prática todos os sábados nas sinagogas desde os tempos antigos. Essa orientação de Tiago está em consonância com a recomendação de Paulo aos Coríntios em sua primeira carta àquela igreja, observe os capítulo 8 e 10 de primeira Coríntios.

A recomendação de Tiago em Atos 15 não estava fundamentada na necessidade dos cristão em continuar a observar a lei, mas no respeito que os cristãos não judeus deveriam ter pelos cristãos judeus, que se sentiriam ofendidos ao ver os não judeus praticando coisas proibidas na lei que os judeus aprendiam todos os sábados nas sinagogas de todas as cidades desde os tempos antigos. O não judeu tinha a obrigação de não desrespeitar o judeu como vemos em 1 Co 10:23-33 quando Paulo volta a tratar do assunto de carnes oferecidas a ídolos além do capítulo 8 da mesma carta. Desejo dar ênfase ao versículo 32:

“Vivam de tal maneira que não prejudiquem os judeus,
nem os não judeus, nem a Igreja de Deus.”


Se o contexto é o de carne sacrificada a ídolos, o que a imoralidade sexual faz na lista de coisas proibidas? Bem, tomando o contexto da cidade de Corinto, que não é muito diferente da cultura pagã naquela época, a adoração de ídolos envolvia não só o consumo de oferendas de carne e sangue a esses ídolos, mas também de orgias como práticas de adoração a certos deuses. É muito comum encontrar na Bíblia a prática de prostituição com a adoração de deuses. Havia as prostitutas cultuais que faziam sexo com os devotos como parte da liturgia de adoração em seus templos. Geralmente eram cultos às deusas da fertilidade, acreditando que essa adoração, por meio da prática sexual com prostitutas dedicadas no templo pagão, poderia trazer fertilidade às colheitas. Portanto, comer carne oferecida a ídolos, ou sangue, ou carne de animal estrangulado e a própria imoralidade sexual faziam parte de um mesmo contexto: idolatria!

Sou obrigado a conviver com esses cristãos judaizantes e até diminuir a minha liberdade para não ofender a consciência deles, mas não sou obrigado a ouvir essas interpretações forçadas dos textos neotestamentários como quem ainda não se deu conta de que a figueira secou!

“Ele viu uma figueira na beira da estrada e foi até lá, mas não encontrou nada; só folhas. Aí disse para a figueira: — Nunca mais dê figos! E na mesma hora a figueira secou.” Mateus 21:19


Judaísmo nunca mais, A realidade é Cristo!
Colossenses 2:17


*Recomendo a leitura deste texto: O concílio em Jerusalém e a carta aos coríntios

Autor: André R. Fonseca 

www.andreRfonseca.com

Twitter: @andreRfonseca 

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